domingo, 6 de novembro de 2011

“PARTE DO OUTRO LADO DA MODERNIZAÇÃO...”: ARACAJU E OS HOMENS POBRES NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

          Desde a sua fundação, em 1855, Aracaju sempre foi uma cidade de homens e mulheres pobres que se deslocaram de várias partes de Sergipe. Aqui eles ergueram suas casas nos morros de areia, nos mangues e lagoas. Entretanto, é no início do século XX que essa migração se intensifica. “Na medida em que a cidade de Aracaju passava por um processo incipiente de urbanização havia uma constante imigração de homens pobres vindos do campo Como a população pobre não possuía recurso para atender as exigências do ‘código de posturas municipal”, passava a construir seus casebres no lado norte da cidade, além do Camborge, no início da Estrada Nova (hoje Av. João Ribeiro), entre os manques do Olaria. A estrutura interna de Aracaju caracterizava-se pela existência de dois núcleos separados do centro da cidade. O “bairro industrial” ao norte, núcleo florescente onde se localizavam as duas fábricas de tecido da capital, e a colina de Santo Antônio, a noroeste (RIBEIRO,1934:46).
          
 Arruamentos em Aracaju, 1865. Fonte: http://aracajuantigga.blogspot.com/
       
          A valorização da área central e o estabelecimento das dificuldades de acesso desta área aos homens pobres aceleraram a ordenação de uma fisionomia para a cidade de acordo com os interesses dos mais privilegiados. O espaço urbano, neste sentido, começava a potencializar as contradições entre os vários segmentos sociais (SOUSA,1991:9) Os aluguéis das casas recebiam constantes aumentados nos seus valores, forçando a “expulsão” direta dos moradores para outras áreas distantes do núcleo central da cidade. O jornal “Correio de Aracaju”, em 1919 registrou, algumas vezes, a problemática da especulação dos terrenos e dos aluguéis das casas.
            Essa problemática assumiu proporções maiores na década de 1920 como aumento populacional em Aracaju. No período, o aumento do número de indivíduos que chegavam a Aracaju era sensível. A vinda de homens pobres para Aracaju e a sua fixação nas áreas mais afastadas do núcleo central, preocupava os idealizadores do discurso modernizador. Governo, higienistas, intelectuais e jornalistas, que faziam parte de um mesmo “grupo” de idealizadores do discurso modernizador, sentiam a necessidade de ampliação no processo de ocupação da cidade, interferindo nas novas áreas ocupadas por indivíduos pobres que chegavam, principalmente, do interior de Sergipe. Desejavam eles enquadrar determinadas áreas de habitações pobres dentro do modelo de núcleo urbano projetado, ou seja, seguir o modelo já idealizado e que na prática já surtia efeito na região chamada de “quadrado de Pirro”. Esses idealizadores “olhavam” a cidade numa dimensão maior e projetavam imagens de uma certa “harmonia” para toda a cidade. Para concretização de tal intuito, aperfeiçoaram-se os Códigos de Posturas, criaram-se novas leis e decretos de “integração” das áreas suburbanas.
 Construíra-se, assim, um projeto de aterros, desapropriações de casas para a formação dos novos traçados de avenidas e ruas dentro dos padrões que processavam no centro da cidade. Essas medidas começaram ser postas em prática na década de 1920. Foi nesse período que o “Santo Antônio” e o “bairro Industrial” iniciaram mudanças na sua estrutura. O alinhamento das ruas antigas e novas começou a direcionar como deveria ser seu crescimento. A avenida “Simeão Sobral”, hoje localiza no bairro “Santo Antônio”, fora aberta, alinhando as ruas adjacentes, definindo o surgimento de outras. No penúltimo ano da década de 1920, inúmeras desapropriações de casas populares também se processaram no Aribé (hoje Siqueira Campos)em decorrência do prolongamento da viação, à continuação da linha de bondes da empresa elétrica de Aracaju. Ruas como Vila Nova (hoje Neópolis) e avenida Goiás, sofreram profundas mudanças no seu traçado.
            O Aribé, desde 1923, tornara-se uma das regiões mais procuradas pelos indivíduos pobres. Possuindo sítios e áreas pantanosas, esta região acolheu famílias de emigrantes do interior do Estado, já que pela falta de espaços mais acessíveis no “Santo Antônio” ou “Industrial” se aventuraram a ocupar essas áreas totalmente não saneadas e difíceis para moradia Área suburbana que atraía muitos pobres, o Aribé passou a merecer cuidado por parte dos governante e dos donos de empresa. Novas ruas deveriam ser abertas e as existentes deveriam ligar o lugar ao quadrado de Pirro (Perímetro urbano da cidade de Aracaju). A “integração” dessas áreas suburbanas desejava, sobretudo, a submissão em grau maior do homem pobre. A definição objetiva do lugar de residência do pobre possibilitava controle sobre ele. Era um fenômeno que tinha sua razão de ser na fase de transição do país pós-abolição da escravatura. E um período de consolidação do trabalho livre onde as cidades passaram a sofrer mudanças nas suas estruturas atraindo uma mão de obra livre, despossuída de bens.
            Em Sergipe, isto igualmente acontecia. Homens pobres migraram para Aracaju, influenciados pelas mudanças que se processavam e, respectivamente, por questões emergenciais que sofriam o campo. Aracaju assumia, pelos anos 1920, a posição de maior centro industrial de Sergipe. Possuía duas fábricas de tecidos, inclusive que eram as maiores dentre as 8 existentes no Estado. Foram estas fábricas têxteis a opção possível de emprego e sobrevivência de uma população pobre que chegava a Aracaju. É, sobretudo, diante dessa importância significativa das indústrias têxteis que os donos das fábricas procuraram interferir no processo de idealização da “nova” fase que acreditavam começar a existir em Aracaju. Essa participação pode ser constatada nos relatórios das fábricas.
            A “Sergipe Industrial”, por exemplo, procurou construir vila operária perto da fábrica, contribuiu com a instalação do hospital Cirurgia, para a construção de uma escola pública e com abertura de novas ruas no bairro “Industrial”. Entre estas contribuições destacou-se a instalação de um parque de diversões em suas dependências.  Os donos das fábricas procuraram formar um “espaço de trabalho” onde a fábrica, a casa do gerente, a moradia do operário, a escola, o armazém e o parque, compreendessem uma “estrutura fechada” em si mesma, onde o trabalhador deveria ser submetido às exigências do capital. A construção do parque de lazer tornava-se o exemplo mais significativo da tentativa de imprimir um estreito elo entre a fábrica e a residência do operário. O parque fazia parte dessa estrutura onde tudo girava em torno da fábrica na obtenção de um maior controle sobre o trabalhador para que ocorresse uma maior produtividade. (SOUSA,Op. Cit.14).


 Fábrica Sergipe Industrial. Fonte: http://www.aracajuantigga.blogspot.com/

            Em torno da “integração” havia a justificativa da necessidade do desenvolvimento, da diminuição da “miséria”, fome e degradação. Estabelecer o domínio sobre os espaços dos trabalhadores, criando um espaço de produtividade, significava trazer benefícios a todos: ao desempregado, aos cofres públicos e à sociedade. A “integração”, por sua vez, não modificou em nada as condições de vida dos trabalhadores. Os operários têxteis, por exemplo, enfrentavam inúmeras dificuldades de moradia, salários, saúde e alimentação que contradiziam a ideia de prosperidade e a melhoria de vida que a fábrica prometia a quem nela trabalhasse. Como os outros trabalhadores (ferroviários, homens de docas, carroceiros, pedreiros, carpinas, sapateiros etc.), os operários têxteis presenciavam constantemente no seu cotidiano a rejeição e negação dos benefícios executados na cidade, nas fábricas.
            A visualização de que os problemas dos operários têxteis eram praticamente os mesmos do restante dos trabalhadores, os homens pobres, ampliam os limites possíveis de compreensão sobre o operário têxtil. A maioria dos trabalhadores se alimentava mal. O reforço alimentar era encontrado nos mangues e em pequenas plantações em terrenos abandonados. e nos fundos de quintais. Havia, também, o artesanato caseiro, os doces que, vendidos nas portas das fábricas, na feira ou nas ruas, serviam para comprar o pão ou produtos alimentares. Os vendedores desses produtos eram geralmente pessoas da família dos operários que ainda não trabalhavam, sobretudo crianças, na tentativa de ajudar no orçamento da família.
            Os problemas de saúde eram constantes. Os altos índices de mortalidade infantil eram o registro mais claro da precariedade da saúde existente entre os indivíduos pobres. A rede de esgotos existente até o final da década de 1920, mal abrangia a parte do perímetro urbano da cidade. A falta de prolongamento dessa rede de esgotos contribuía para que, em épocas de chuvas, a cidade ficasse contaminada por focos de doenças as mais diversas. Era justamente nas casas dos pobres que as doenças tornavam-se mais corriqueiras.
            O tratamento dessa problemática era mais assistencialista. Foram fundadas associações beneficentes, e campanhas etc. Esse caráter assistencialista continuou ao longo da década de 1920, embora tenha diminuído à medida que critérios científicos e técnicos foram invocados. Na medida em que esse conhecimento mais objetivo substituía o tratamento assistencialista, foi sendo retirada, progressivamente, do trabalhador a autodeterminação do seu modo de vida. O homem pobre passou a receber “visitas” constantes em suas residência dos técnicos que lhe imprimiam informações em torno da higienização da casa e do corpo. Era preciso, nesse sentido, criar novos hábitos e determinados cuidados relativos à alimentação.
            Os critérios científicos, ou técnicos, não escondiam a explicação da falta da educação, desleixo e promiscuidade como fatores importantes para a problemática de saúde. A problemática em torno da alimentação, saúde e moradia dos homens pobres, agravou-se com o aumento populacional ocorrido nessas décadas de 10 e 20. Intensificou-se a concorrência no interior de um mercado de trabalho que não era muito expressivo. Havia, sem sombra de dúvida, um contingente significativo de “desocupados”, refletindo no barateamento da mão de obra. Os operários têxteis sentiam bem de perto essa situação. Eles constituíam uma mão de obra das mais baratas do país. Finalmente, um outro problema que os operários enfrentavam era o trajeto de suas casas para as fábricas. Os que moravam longe das fábricas enfrentavam diariamente áreas não saneadas, de difícil acesso, para chegarem ao trabalho. Para que não chegassem atrasados por causa das multas, ou para que não perdessem o “quarto” (turno da fábrica) viam-se na contingência de sair de casa alta madrugada, levando consigo o seu almoço. Muitas vezes esse trajeto era feito enfrentando grandes temporais.
            Diante desse quadro de penúria dos operarias têxteis e demais indivíduos pobres, pode-se concluir que: toda a modernização por que passava, especificamente, Aracaju, exibia uma face contraditória. Se os melhoramentos materiais e demais benefícios realizados atingiam positivamente a uma faixada população, a outra - a mais numerosa - ficava à margem dos benefícios e era submetida a controles que colocavam suas vidas a serviço do capital.

Referência:

SOUSA, Antônio Lindvaldo. “ Parte do outro lado da modernização...”: Aracaju e os homens pobres nas primeiras décadas do século XX. In:_____Temas de História de Sergipe II. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe/CESAD, 2010.

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